terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Senhora Doce Sandoval

, carregava consigo suas memórias ainda muito vivas, da qual poderíamos ver expressas na frente de sua casa, com as flores que preservava desde sua adolescência. Sua casa tinha as mesmas janelas azuis de madeira de quando se casou, o mesmo rabisco na sacada que fora feito por seu filho mais novo aos 2 anos de idade quando começou a descobrir-se um artista abstrato e sem nenhum talento real. O varal que antes pendurava a roupa da família inteira, agora só servia para pendurar suas calçolas ao sol durante duas horas para que nenhum vizinho as visse e essas roupas eram do que mais sentia falta, representavam o inteiro... o inteiro de seu falecido companheiro, de seus 2 filhos, do velho cachorro da família e de sua antiga empregada, ela tinha a sensação que antes tudo unia-se ao seu redor, como se ela fosse o que os ligava, o elo da família, essa era a vida ao qual tinha se dedicado durante anos, era a vida que amava com todo o seu ser mas que agora resumiam-se as suas representações minuciosas das lembranças espalhadas pela casa, desde um quadro na sala a uma caixa escondida atrás de seu guarda-roupa que tinha desde um papel de bala de seu primeiro encontro a uma flor recebida na noite em que perdeu-se nos braços do mesmo homem que a entregou. Quando recebia visitas, ah... era o que mais gostava, passava horas mostrando fotos, fatos e histórias que continham nos objetos de toda casa, de seus 3 netos ela se transformava em contador de histórias e vovó maluca, clown e cozinheira, como eles a adoravam. Senhora Doce Sandoval esperava alegremente a visita de seus filhos que na maioria das vezes deixavam seus netos e iam para seus compromissos da vida adulta, ‘eles se foram’ dizia toda vez que os viam saindo pelo portãozinho baixo que dava até para ser pulado facilmente por qualquer um que o quisesse.

 


Sua vida inteira não teve de fato grandes conquistas sociais, mas ela não se arrependia disso, gostava de cuidar da sua casa, de seus filhos e marido, quando mais nova era louca para formar-se em filosofia, de certo o fez ... ‘ deu’ aulas durante um tempo , o que ela considerava não uma aula dada, mais um pedaço a mais de conhecimento tido e oferecido, ela costumava dizer que compartilhava de si um pouco que era lhe dado dos outros. Depois veio o amor, os cuidados com a casa e seus dois filhos Pedro Henrique e Marcelo , dois grandes homens e causadores de dores de cabeça na infância, fizeram da Senhora Doce Sandoval uma mãe que ela acreditava que não seria. A maior desgraça de sua vida foi ter deixado seus alunos e suas sextasfeiras na associação de seu bairro, onde reuniam-se para discutir desde qual o melhor tempero para batatas gregalhadas a como seria feito a petição para melhoria da segurança nas ruas e escola do bairro. Mas isso não vinha ao caso ( uma das únicas coisas que não gostava de partilhar era suas desgraças, as escondia cuidadosamente por entre tudo que expunha de si mesma ) , assim ninguém desconfiava. Ela não acreditava num sentido para a vida, a não ser o sentido que ela dava para a mesma, que se transformava constantemente e com seu próprio ser, eram parceiros e só dela, não se encaixavam para mais nenhuma vida.

 



Numa certa e especial noite, recebeu a visita de seus filhos pela manhã, que contaram sobre suas novas aquisições e conquistas, como uma moto, uma casa pequena e bem construída e o término de um curso de francês ‘a vida e quereres dos dois filhos eram tão parecidos que chegavam a confundir-se entre si’ , recebeu um beijo de sua neta do meio e uma flor de sua única cunhada , o dia começou diferente e continuava a sê- lo , não teve chá da tarde com as amigas que tiverem outras coisas a fazer, não pendurou suas calçolas no varal e nem olhou para os objetos de sua casa com um ar de um tempo que já se foi , sentou na sacada e nem lembrou que lá era ateliê de experiências para seus filhos com pinceladas de tintas desenfreadas e argila espalhadas pelo chão, simplesmente sentou-se e nem foi na cadeira de balanço que antes pertencia a sua mãe, foi no chão mesmo, olhou para a rua e viu a si mesma, pela primeira vez durante anos, sentiu uma felicidade dominar desde as pontas dos seus pés aos fios de seu cabelo, sentiu o que estava acontecendo consigo com grande excitação, sem perceber naquele instante tinha se despregado de suas memórias e até de sua casa que representava tanto destas, ela estava suave, ela estava livre por um instante, ás 18:00h o que não era de costume resolveu deitar-se ainda em êxtase...




No dia seguinte foi encontrada morta sobre cartas, roupas velhas, fotos e pedaços de fitas, aquele monte colorido, aquele rosto sorridente, aquele cheiro de pós morte , lembranças rodopiavam pelo quarto e poderiam a sentir qualquer um que ali entrasse, seu filho Paulo Henrique pensou que daria um quadro, as cartas coloridas, as fitas, o bailar das lembranças, mas logo deixou este pensamento para cair aos prantos quando deu de cara com as maças pálidas de sua mãe que denunciavam sua morte. Marcelo disse quase que em silêncio, mais para si mesmo do que para o irmão e a esposa que estavam presentes no quarto ‘ Senhora Doce Sandoval e suas memórias são uma só e como ela me disse morreu com elas e sua representação’ , agora ele entendia o motivo que sua mãe agregava tanto valor aos objetos e a sua casa, ela tinha medo de esquecer o que viveu no instante de sua morte’ ...




Fotos por: Thais Alves

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Pormenores



E quando acordas todos os dias menina, percebes que cada dia é único? E que a cada dia tem que superar-se? Isso sim menina é viver cada dia como se fosse último, quem disse às falácias que viver cada dia como se fosse último era ser feliz todos os dias, porque não é !. É magoar-se... É ferir-se... Um eterno encontro de si consigo mesma para o resto de sua vida;



Essa voz era a que falava dentro daquele pobre coração que batia forte a cada instante, sentada no banco sentindo os raios de sol sobre seus longos cabelos pretos e encaracolados, a felicidade sutil palpitava sobre seu peito, pensando como podia oscilar entre a tristeza e um pequeno prazer que era sentir os primeiros raios de sol, isso a fazia sentir-se bem, por um momento... Mas do que é a vida se não de momentos, do que é a vida se não de escolhas a serem feitas e as tão ditas preocupações. Então resolveu levantar-se em passos lentos para que a magia não fosse quebrada, a magia de poder sentir-se, pois em seu dia tudo era uma constante correria e o momento para si mesma ficara escondido e reprimido, reprimido dentro de si. Na realidade a menina sabia que não lhe dava bem com pessoas, mas tudo que fazia exigia um contato excepcional com todos a sua volta. Sua vida oscilava entre a dualidade de seu valor para com as pessoas e da vontade de querer renega-las.



Todas as noites quando voltava da aula de Balé, vinha na companhia de seus ‘ colegas’ de dança, pois sim! Colegas, tudo naquela menina era além do que se via ela olhava o mundo não só com intensidade, mas com uma intensidade profunda de quem passa por uma porta e acha um alçapão cheio de objetos antigos com fotos de seus familiares, mas aquelas companhias de coleguismo lhe traziam por hora contentamento e acalento e em outra lhe traziam dor e vontade de reprimir-se, ficar escondida em si mesma e para argumentar tal atitude usava de desculpa, seus livros, sono e cansaço ( que realmente existia nela , ambos sempre, mas não o suficiente para faze-la renegar a companhia de alguém) , mas isso lhe fazia fugir... fugir para a solidão que tanto era apegada e gostava, a solidão do medo, do infinito, do desconhecido. Seus colegas Marcelli e Bernaldi, aceitavam tais atitudes com um sorriso forçado no rosto, queriam sua companhia mas não podiam te-lá, pois ela entregava-se apenas por metades ...



( continua ) [...]


Foto: Thais Alves